segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Depressão e Militância

Eu não escrevo muito aqui. Hoje, como todas as outras vezes, esse é só o lugar mais acessível. Não é fácil falar de mim, em grande parte porque eu não gosto. Talvez a escolha da plataforma se deva ao medo, medo de como um texto como esse seria lido e interpretado… Por amigos, parentes e até desconhecidos. Em uma geração que clama por manchetes e notícias rápidas, o esforço de abrir um link no facebook me dá um pouco de tranquilidade de supor que só vai ler até o fim quem tem real interesse, e não quem precisa emitir uma opinião sobre tudo. Mesmo assim, acho por bem deixar claro que não quero, neste caso, espelhar experiências esperando que o relato de uma pessoa possa ser usado por várias. Minha vida, minha experiência, minhas vulnerabilidades, minha militância, minha condição mental e emocional pertencem apenas a mim, e sem uma formação ou orientação especializada é só sobre mim que eu estou apta a falar nesse assunto.

Não se trata de um assunto inédito, nem mesmo tenho coisas novas a dizer sobre isso, e ainda é algo onde todos deveriam empenhar tempo. Ninguém consegue perceber o exato momento em que precisa pedir ajuda, ninguém quer admitir que não consegue lidar sozinho com… Bom, com o que quer que seja aquilo que não conseguimos lidar sozinhas. Quando finalmente admitimos pra nós mesmos que nossos ombros não suportam a carga, existe um período longo de culpa, de sentimento de fracasso, de lágrimas e tentativas que sabemos ser em vão, até que enfim - os mais fortes, bem estruturados… na verdade os mais sortudos - conseguimos nos mover o bastante para deixar alguém saber o que está acontecendo.

Resumo do meu processo bem sucedido, um processo com um desfecho difícil, mas positivo. E olhando para trás agora, quando eu me sinto muito mais saudável, parece incrível lembrar dos dias seguidos em que eu não saía da cama nem para ir ao banheiro. Mas nem toda história de depressão tem um final feliz, de fato, depressão é um vírus emocional, ela nunca vai embora é apenas controlado, manejado, tratado. Como AIDS, a aparência raramente revela o doente, e o estigma não nos permite comentar e nos faz esconder os sintomas sempre que podemos. Nós lidamos diariamente com o medo de que no dia seguinte levantar da cama seja novamente um esforço inumano.
No auge das minhas fragilidades eu costumava pensar que só ocupar a cabeça me salvaria, me distrairia, me traria de volta aquele gosto infinito pela vida, pelo dia, pela realidade. Mas como encontrar gosto pela realidade quando eu sabia que a realidade que me esperava era difícil, cruel e insensível? Nós não lamentamos, lamentar é um desperdício de tempo quando você poderia tentar mudar essa realidade. Nossos problemas sempre são pequenos comparados a realidades mais difíceis que as nossas. Nosso mundo cheio de pressões, cobranças, prazos, são nada perto de mundos mais perversos, mundos de pessoas em situações muito mais vulneráveis que as nossas.
Eu não entrei na militância de esquerda por acaso. Não passei a adolescência lutando corajosamente no movimento secundarista (como algumas pessoas parecem esperar de filhos de militantes, uma militância desde a tenra idade), tão pouco distraída entre o cinema com os amigos e Cavaleiros do Zodiaco às 17h30 da tarde. Meus pais nunca esconderam a dura realidade do mundo, mesmo quando me protegiam de cada ferida que essa realidade poderia me causar. Eles começaram em lutas sociais ainda mais novos do que eu sou hoje. Eles foram mãe e pai muito mais jovens do que eu sou hoje. Eles trabalhavam, cuidavam de mim, e - aos meus olhos na época - se engajaram em uma guerra ingrata que sempre trazia tão pouco sucesso, tão pouco resultado para tornar menos vulnerável uma maioria que não sabia ou não podia se proteger sozinha.
Dois adolescentes com uma criança não é fácil, e eu não fui uma criança particularmente fácil de lidar. Eu sei disso agora. Nós conversavamos francamente sobre tudo que eles não achassem impróprio para minha idade. Hoje eu vejo que essas conversas foram determinantes para minha melhora. Sempre saber sobre o pior do mundo e das pessoas, ao mesmo tempo em que era protegida disso me abriu os olhos para o sofrimento dos outros. Entender que sofrimentos não devem ser comparados, me abriu os olhos para tudo que eu precisava lidar e não queria.
Eu sempre brinquei que sou filiada ao Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras desde os primeiros anos de vida, por causa das muitas fotos de infância com estrelas e bandeiras vermelhas. Jovens, pobres e com uma filha, restava aos meus pais pouca opção que não me levar debaixo do braço para cada reunião, mobilização, protesto que eles participavam. Com 12, 13 eu acompanhei minha mãe enquanto ela visitava grupos de mulheres em comunidades rurais para organizar debates sobre empoderamento feminino e violência doméstica. Eu lembro de ouvir conversas em que meu pai falava sobre casos de exploração de trabalhadores rurais em fazendas de políticos do nosso estado, e de quadrinhos informativos sobre trabalho escravo que eu sempre lia quando tinha que esperar na sala dele por algum motivo. Eu via neles a militância pura. Duas pessoas que nunca demonstraram qualquer interesse em carreira política, ou qualquer “compensação” pelas horas, dias, noites, e incontáveis viagens que precisavam fazer em prol daquele mundo melhor que eles desejavam pra todo mundo.
Quando criança eu tinha soluções simples para problemas que eu achava que eram simples. “Se um homem machucou uma mulher, por quê não falamos pra polícia prendê-lo?”, “Se as pessoas estão morrendo de fome porque são pobres, porque não distribuímos o dinheiro do mundo todo, e assim todo mundo poderia ser rico?”. Na adolescência eu achava todos os problemas bobos. E daí se os garotos da minha turma me achavam estranha porque eu era alta? Quem liga se tenho que esconder que meu primeiro beijo foi com uma garota? O mundo tem problemas muito maiores do que eu não me encaixar nos padrões estéticos socialmente aceitos. E quando, pouco a pouco, provamos de verdadeiras vitórias dos movimentos sociais, quem era eu para me sentir mal quando milhares de vagas estavam sendo abertas na universidade e milhões estavam saindo da miséria?
Eu tive meu primeiro contato com a militância jovem no melhor momento possível. As pessoas que me rodeavam eram (e ainda são) as melhores possíveis. Mas minhas próprias inseguranças sempre seguravam meus passos mais atrás. Eu tinha a mesma visão de mundo dos meus pais, eu tinha a mesma orientação política, e como era de se esperar, os mesmos espaços de atuação. Eu nunca vou ser uma militante tão empenhada, nem ter o entendimento político tão lúcido e sucinto quanto o deles. Eu não me importo com isso hoje, mas entre os 15 e os 22 eu queria ser tão incrível quanto eles. A depressão fez eu me ver constantemente a sombra deles, e ser apresentada por outros da minha organização como "filha de" não ajudou em nada. Eu acabei procurando outros espaços, longe da militância, mas esses espaços só serviram pra aprofundar mais ainda minhas inseguranças. Não mais tão protegida, eu finalmente tive contatos com o preconceito do qual fui protegida, com pequenos horrores com os quais eu não estava pronta pra lidar. Quando eu voltei pra militância já tinham arrasado minha confiança, todos a minha volta pareciam maquinas de revolução, e eu não conseguia nem cumprir prazos da faculdade. Com que cara eu falaria das minhas angústias e pediria ajuda a eles? Eu mantive (e ainda mantenho em parte) minha vida dividida em duas. Meus amigos me ajudavam a lidar com as angústias que eu carregava, e meus companheiros de militância me ajudavam a lidar com a frustração de não conseguir acabar com certos preconceitos no meu circulo mais íntimo de amigos (hoje isso já foi resolvido, ainda bem).
Não é fácil tratar depressão. Não é fácil tratar depressão quando você está inserido dentro de espaços em que você também precisa ser o “ajudador”. Na militância de esquerda eu achei um lugar pra me encaixar. Eu não era subestimada por ser mulher, eu não era rejeitada por gostar de garotas, e eu não era diminuída por não alcançar aqueles padrões estéticos tóxicos. Não me lembro de me sentir tão “no lugar certo” como na primeira vez que fui sozinha, por conta própria, para uma reunião da Kizomba Mossoró. Mesmo hoje, sempre que encontro uma das companheiras e companheiros que estavam naquele dia, eu não consigo evitar o sorriso, mesmo quando eu estou triste por razão alguma. Ser aceita e apreciada sem precisar fazer qualquer esforço pra me encaixar, sem precisar calar nenhum pensamento “muito progressista”... Foi algo que nem meu refúgio virtual conseguiu me trazer.
Entrar pra militância me ajudou na melhora antes mesmo de eu perceber que tinha um problema. Mas quando eu percebi, quando eu comecei de fato a me tratar, a militância não foi apenas uma ajuda, mas também uma distração do problema. Eu não estou dizendo que a militância faz mal, de maneira nenhuma. A depressão é uma doença silenciosa, e muitas pessoas veem os problemas como combustíveis para ela, mas não se trata disso. Em terapia, tanto com um psicólogo como com um psiquiatra, eu escavei o início da minha depressão aos 16 anos. Quais eram meus problemas nessa idade? Um coração partido? Notas vermelhas? Meus pais estavam tentando mudar o mundo, meus amigos estavam empenhados em projetos, ganhando medalhas por desempenho e eu estava falhando. Mas meu fracasso não era o fim do mundo, não era tão relevante, haviam coisas maiores. E de fato, haviam. Não era mesmo o fim do mundo. Eu me formei apesar das notas ruins, eu me casei apesar das vezes em que quebrei meu coração. Mas dentro de mim eu sentia esses pequenos problemas muito maiores, e fora de mim eu fingia não ligar pra eles, e guardava toda aquela tristeza porque havia coisas mais importantes.
Esse processo se estendeu até a faculdade. Eu não via a hora de sair de casa, provar da liberdade. Beber quando eu quisesse, fumar sem ter que me esconder, ficar chapada sem ter que dar satisfação. Eu não queria liberdade, eu queria me anestesiar e nada disso eu poderia fazer perto de quem me conhecia, ou eles veriam que eu tinha um problema, e eu precisaria admitir que eu tinha um problema. Eu me senti culpada por desperdiçar meu tempo assim, apenas seis meses depois de começar a morar sozinha. Eu me sentia culpada por sair pra me distrair com pessoas que não viam nada de errado com o mundo, mas também me sentia culpada quando, junto da militância, me via fazendo tão pouco enquanto meus companheiros faziam malabarismos incríveis com suas obrigações e ainda se doaram de corpo e alma para a luta. Eu ouvia as piadas e comentários preconceituosos, e se falava algo me dava logo por vencida pela enxurrada de argumentos sem conteúdo que se seguia. Eu participava de debates inspiradores, seguidos de comportamentos não condizentes e totalmente insensíveis para com a saúde emocional do próximo, tudo no mesmo ambiente.
Eu demorei a entender porque eu demorei a procurar ajuda. Eu me sentia incapaz por precisar de ajuda, e queria provar que era capaz como minhas companheiras, como meus pais, como todas aquelas pessoas que estavam em situações muito mais vulneráveis que a minha, e ainda assim levantavam todos os dias para encarar a vida de cabeça erguida.
Dentro da militância de esquerda não há nada mais indispensável do que a empatia e solidariedade. Não existe qualquer outra razão para levar alguém a compreensão de uma injustiça. Uma pessoa em posição de privilégio não vai se empenhar para que seu privilégio vire um direito, a menos que possua o mínimo de solidariedade dentro de si, porque não desejar o mau pra ninguém, não significa que você deseje o bem pra todos. É a nossa preocupação principal que acaba nos fazendo negligenciar outros que também precisam da nossa atenção, especialmente nós mesmos. Nós julgamos algumas ausências na luta, e lamentamos apenas a perda da ajuda para esse duro fardo que é acreditar e efetivamente tentar fazer algo para mudar o mundo. Não quero aprofundar e nem jogar a culpa pra alguém. Pessoas com depressão se tornam peritas em disfarçar, em fingir que esta reagindo e reagindo bem. Precisamos ser assim, porque ver alguém preocupado com nosso estado agrava ainda mais a culpa de sentir o que sentimos. Nossa primeira resposta é sempre dizer e aparentar estar bem, porque explicar o que sentimos é impossível, e falar sobre isso, mesmo com um amigo, mesmo com alguém que entende, é muito difícil. Para quem está ao redor, não é fácil ver algo que não se está procurando. Os sinais só ficam evidentes em nossas lembranças quando o pior quase, ou já aconteceu. Não é que como grupo a militância não se preocupe com a saúde mental e emocional, muito pelo contrário. Mas como saber o que o outro passa ou sente se ele ou ela não expressa? E como expressar as angústias com injustiças para pessoas que sofrem com as mesmas injustiças ou até injustiças piores que as suas? É difícil ter uma resposta ou solução. Eu, particularmente, não tenho. É algo com o qual ainda tento lidar todo dia.
Em 2016 nossos problemas pessoais se transformaram em nada. Nossa depressão, angústia, coração partido e desejo de não levantar da cama tinha um só nome, golpe. Se antes não tinhamos “tempo” pra lidar com nossos problemas pessoais porque um deputado fascista estava com a popularidade alta falando em chacinar a periferia e bostejando racismo, machismo e homofobia, hoje nós continuamos sem tempo porque o trabalho escravo no Brasil foi legalizado, mulheres podem perder o pouco de autonomia que alcançaram e LGBTs estão sendo caçados e dizimados com licença da sociedade. Nunca é e nunca será um bom momento para os nossos problemas, nossas fragilidades emocionais, especialmente dentro da militância. Isso não é culpa dos outros… Não é culpa da luta… Não é culpa nossa. Sofrer ao ver os outros sofrerem é um “dom” de poucos. Sofrer ao pensar no sofrimento de pessoas que você não conhece é mais raro ainda, e um ambiente perfeito para o vírus da depressão se multiplicar.  
A depressão não escolhe classe, não escolhe gênero, ideologia política, cor e nem orientação sexual. Mas não é errado pensar que dentro dos grupos socialmente marginalizados somos mais vulneráveis, dentro da militância, com a empatia e a solidariedade que nós tentamos tão arduamente manter e espalhar, nos tornamos mais suscetíveis. Não é porque somos mais fracos, mais irracionais, menos centrados, mas porque guardamos nosso sofrimento individual na gaveta para priorizar a luta contra um sofrimento coletivo. Todo mundo já espaireceu dos próprios problemas “ocupando a cabeça”, mas e quando sua distração do sofrimento é mais sofrimento? Nos esquecemos que quase sempre estamos no início ou no meio desse sofrimento coletivo, nunca no final. Sabemos objetivamente que a luta social é contínua, que com certeza não estaremos vivos para ver um mundo livre de opressão, mas subjetivamente esperamos essa luta acabar para nos empenharmos mais na nossa luta particular.
Hoje eu me sinto melhor do que três ou quatro anos atrás. Eu mantive (e ainda mantenho) uma distância defensiva, mesmo nas áreas que mais me dão prazer militar. Mas enquanto eu tento me envolver menos na militância para cuidar de mim, ainda sou atormentada pela culpa de não estar fazendo tudo que eu poderia pra mudar o mundo. Eu ainda acho que essa culpa não vai me deixar, mas hoje eu consigo pensar nela de modo mais prático. Eu consigo pesar mais precisamente os meus limites emocionais, as pressões e cobranças com as quais eu posso lidar. Hoje eu consigo enfrentar uma decepção de maneira mais saudável. Eu tive sorte… Eu tive pessoas que perceberam, eu tive pessoas que ajudaram mesmo quando eu recusei ajuda. Nem todo mundo tem sorte. E quando alguém morre a dor exige um culpado, alguém para quem podemos direcionar todos os nossos sentimentos negativos. A culpa as vezes é dada a vítima, as vezes a quem está perto dela e não percebeu sua doença, ou para aqueles que cobravam e pressionavam. A culpa é do mundo, porque as pessoas sensíveis o bastante pra empenhar a vida em melhorá-lo são também aquelas que acabam psicologicamente massacradas pelo horror que há nele. Mas se revoltar contra o mundo também não resolve o problema.
Saber lidar com o que está além do nosso controle é um ponto crucial para nossa saúde emocional, não apenas para aqueles que têm depressão. Infelizmente, nesse caso, não existe luta coletiva, apenas batalhas individuais nas quais os ambientes e as pessoas ao redor podem ajudar ou piorar, mas nunca lutar por você. Não existe culpa, e não existe cura, a não ser aquilo que já fazemos em busca de um mundo diferente… Fazer o máximo que podemos e ter esperança de que as coisas vão melhorar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

25 anos depois

Não é nenhum assunto novo, nem mesmo uma perspectiva diferente. Era uma geração que supostamente cresceria mais livre que a anterior, a geração da mudança e das oportunidades. Por filmes, livros, novelas e comerciais, e até pelo saudosismo de terceiros pela própria juventude, nos fomos lembrados constantemente de que a juventude era o auge da vida, e que não devíamos desperdiçá-la. Acabamos aprendendo que o fim da juventude é o limite de tempo para se alcançar algo. Para uns isso significou exageros de tudo antes de seguir o trajeto padrão já adotado, para outros ainda é o desespero produtivo para alcançar um suposto conforto antes dos trinta. E para todos, significa a incessante sensação de fracasso quando o "sucesso" não chega logo.
Estamos aqui hoje na segunda metade dos nossos 20, tentando explicar nossa ansiedade e depressão, e ainda esperando pela ideia de sucesso que enfiaram na nossa cabeça. Esse sucesso não vai chegar, porque cada aspecto desse sucesso foi atrelado a competição... E na competição se alguém ganha, outros tantos tem que perder.
Sempre esperaram muito das crianças dos anos 90, e sempre fomos lembrados quanto esperavam de nós. Crescemos individualistas, cobrados a provar que eramos especiais em vez de aprender que cada indivíduo é único. Deixamos de valorizar o indivíduo por quem é em vez de por quem a sociedade o determinou ser. Ensinaram que poderíamos o que quiséssemos, mas esqueceram de dizer que o mercado também precisaria nos querer. Nos pediram e exigiram inovações, revoluções, enquanto nos apertavam em formas pré moldadas séculos antes de nós. Disseram que eramos livres, mas esqueceram de dizer que a liberdade é paga e cara. 
Hoje, mesmo com tudo que se esperava alcançar aos 20 e tantos anos, vemos alguém aparentemente melhor que nós e nos perguntamos se fazemos parte dos que falharam, se não poderíamos estar melhores. Achamos que estamos perdendo coisas quando outros nos alcançam em status, carreira, direitos... Fomos ensinados a competir e não a conviver. 
Eu ainda espero muito da minha geração, que ela ensine pelo exemplo, tanto do que ser como do que não precisa e nem deve ser. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Amores Imperfeitos

O dia fora frio e chuvoso… Que dia! Amava a chuva tanto quanto odiava o calor, e ansiava pela noite tanto quanto se frustrava quando ela chegava nublada… Mas ainda era fim de tarde quando saiu de casa. A chuva ainda lavava as ruas, o casaco cinzento estava encharcado antes mesmo de chegar até a esquina, mas não havia qualquer sinal de incomodo, ou menção de fazer o caminho de volta para seu sofá seco e aquecido.
Seus passos não demonstravam entusiasmo, na verdade, os passos davam preguiça de andar a qualquer um que lhe assistisse vagando pelas ruas meio alagadas. Ninguém veria, é claro, a não ser os carros que passavam vez ou outra, ninguém perambulava pela rua no meio da chuva. Viu o sol se pondo entre dois prédios enquanto avançava com seus passos, incessantes apesar de sem entusiasmo.
Talvez tivesse cruzado com algumas pessoas pelo caminho. Um homem se apressando para voltar com seu cão para casa, uma garota com um guarda-chuva em uma mão e vários livros em outra, um casal tentando se abrigar abraçados embaixo de uma única capa de chuva… Especulações, não podia ter certeza, não havia qualquer atenção no que fazia, a não ser o mínimo exigido para alcançar o seu destino final. Um passo após o outro… Meio fio… Faixa de pedestre… Desviar da árvore… Comandos simples enquanto a mente parecia procrastinar, fugindo de lembranças, ideias e pensamentos que talvez não fossem apropriados para aquele momento.
A chuva começou a parar quando seus pés tocaram a areia úmida e o som de ondas se misturaram com o som da chuva em seus ouvidos. Se sentou no chão, ignorando toda a areia que começava a grudar em sua roupa molhada. Areia lhe incomodava, sempre parecia entrar em qualquer lugar para pinicar em sua pele… Mas naquele dia em particular, não se importou. A medida que a água ia parando de cair no céu, seu corpo foi pendendo, até se encontrar com o corpo completamente estendido diante do mar. Os olhos ficaram fechados por longos minutos, enquanto todo o corpo tremia de frio, mas no lugar em que se isolara em sua mente, nem areia e nem frio podiam perturbar. Um toque delicado e macio foi sentido em seu rosto, mas igualmente frio. Os olhos se abriram sem pressa, a procura do amor que viera admirar. O castanho dos olhos derramou chocolate em seu olhar de doçura… Como se todo o incomodo que deveria sentir no caminho até ali fossem abafados por uma deliciosa dose de sentimentos positivos.
As janelas da alma estavam completamente abertas, e a alma exibia um brilho que há muito ia se apagando. Fazia aquela visita todos os dias… O peito acelerava, a adrenalina tomava conta do corpo de tal forma, que se alguém lhe observasse caminhar na ida e na volta, apenas a postura lhe confundiria. Uma injeção de corar, sorrisos bobos, suspiros e juras de amor silenciosas… E no fim, a despedida. A despedida era sempre dura, e com o tempo parecia vir mais cedo a cada dia, mais difícil a cada dia… Mais definitiva a cada dia.. Tinha conversado com o espelho, e seu eu do outro lado havia desempatado aquela questão… Podia continuar com suas visitas, enquanto julgasse inofensivas… Aquela decisão manteve sua tranquilidade, afinal não havia nada em suas visitas que não fossem inofensivas. O espelho lhe lembraria dos resfriados e pneumonia ganhos em visitas como aquelas, as lágrimas em despedidas cruéis, o coração quebrado… Mas um coração apaixonado não ouve argumentos, apenas vê obstáculos a serem superados.
Fazia pouco mais de meia hora que chegara, e bem menos de dez minutos que sentira o toque da brisa e abrira os olhos para a lua. Não que tivesse verificado o relógio, conscientemente não achava que tivesse passado mais de cinco minutos desde que chegara andando. Ela estava linda… Linda como a via todas as noites. Seus olhos castanhos brilhavam prateados enquanto o corpo todo ia sendo tomado por aquela adrenalina… O coração disparado… Mas antes que aquele calor gostoso e confortável começasse a se espalhar pelo seu corpo, o céu se nublou quase tão de repente quanto as nuvens haviam se dissipado antes. Ela se cobriu… Em um vestido de sombras cinzentas, escondendo seu brilho divino e deixando a escuridão voltar aos doces olhos castanhos, junto com a ruga de frustração, o suspiro de tristeza, e por fim o olhar baixo de conformidade.

Não soube dizer quanto tempo permaneceu imóvel no chão, apenas deixando a chuva, que já recomeçara, encher suas roupas de lama. A importância que deu para as roupas encharcadas e cheias de lama foi proporcional a que dera para a chuva ao sair de casa. O incomodo em seu peito era maior que em qualquer desconforto com roupas pelo resto de seu corpo… Seus olhos se ergueram para lua uma última vez, enquanto os pés já se preparavam para refazer o caminho de volta. O espelho estava certo… Não se podia amar a lua. Ela é bela, mas fria.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Receita para a infelicidade

Fiquei longe de mim mesma nas ultimas semanas. Foi tentando ser feliz que eu sofri. Não é estranho? Não...
Achar uma pessoa para quem você guardou seu amor por tanto tempo, que todos os momentos, mesmo que raros, foram intenso. O seu segundo sol, aquela estrela que realinha toda a sua vida, para quem você canta, para quem você escreve. Mas nada na vida é pra sempre, tudo tem data de validade, mesmo que a gente não perceba, mesmo que se negue a ver... 
Eu fiquei longe de mim mesma nas ultimas semanas. Com ela eu descobri coisas sobre mim, coisas que eu nem imaginava. Eu quis mais, eu acreditei que podia mais, tive certezas onde antes a dúvida imperava. Mas quando ela foi embora eu não sabia mais voltar... Voltar até ela, voltar até mim. Eu tentei refazer o caminho, olhar onde pisava, mas olhar o caminho me fez tropeçar ainda mais. 
Eu fugi de mim mesma nas ultimas semanas, e nessa fuga eu encontrei pessoas, pessoas que eu havia perdido há tempos, pessoas que eu deixei pra lá, pessoas que eu afastei. Nessa fuga eu achei consolos, consolos que não duraram nem o tempo de cair uma lágrima, ombros que não estavam disponíveis para lamentos, então eu não lamentei. 
Eu me escondi de mim mesma nas ultimas semanas, num esconderijo de linho, algodão e travesseiros, de perfumes, batons e sorrisos. Me escondi atrás da fumaça do cigarro e no fundo de uma lata de cerveja, nos beijos de alguém que não me amava, nos braços de quem não me conhecia.
Eu fiquei longe de mim mesma nas ultimas semanas. E fiquei longe por não querer mais ser quem eu era, porque... Quem eu era? Eu era aquela que ainda amava ela, mesmo ela não sendo mais aquela que eu amava. Fugi de quem já não mais me amava, com quem nunca me amou.
Eu fiquei longe de mim mesma nas ultimas semanas. Foi tentando não sofrer que consegui ser infeliz. Não é estranho?

domingo, 25 de março de 2012

Meus amores

Sinto falta dos meus amores, de todos eles...


Os amores que me alegravam, que me arrancavam lágrimas.

Os amores que me ensinavam a ter calma, e os que me tiraram a paciência.

Eu sinto falta, muita falta dos meus amores.

Sinto falta dos amores que cuidavam de mim, e daquele que precisava de cuidado.

Que saudade dos amores que me davam prazer, dos amores a quem dei prazer.

Que me tiravam o folego destruíam minha lógica, e levavam embora minha sanidade.

Sinto tanta falta, oh vida, daqueles amores que me deixavam noites sem sono, que acordavam as manhãs com sorriso, que embrulhavam meu estomago, que me faziam tremer, que me despertavam ciúme, raiva, desespero.

Sinto falta dos amores que decepcionei, dos amores que eu mesma quebrei.

Os amores que revelavam o pior de mim, e o melhor de mim... Desses sinto ainda mais!

Sim, meus amores, eles ainda existem, todos eles. O amor não acaba!

Elas foram embora, eles foram embora, mas o amor ficou, guardado, escondido para ser apenas lembrado, e dá lembrança eu tiro a saudade...


...E da saudade eu tiro a alegria de ter amado.

Sinto falta dos meus amores, de todos eles...

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Você

Agora estou embriagada pelo sono e pela sua ausência;
Envolvendo estrelas em meus pecados, testemunhas silenciosas desse crime de omissão;
Não vejo, não cheiro e não toco, não ouço e nem provo qualquer coisa, mas sinto, e o que sinto confunde e ao mesmo tempo aguça cada sentido;
Metade da noite em claro, outra metade em suspiros;
Olhos, incansáveis, fieis vigilantes da sua figura, com pulmões se enchendo de tudo aquilo que imagino se aproximar do sei cheiro, toco a superfície mais macia sabendo de sua aspereza comparada a sua pele, e quando qualquer som agradável premia meus ouvidos lamento saber o quão incomodo seria se sua voz fosse posta no páreo;
Mas não poderia comparar-se com a sensação que o sonho me deixa ao chegar o despertar, mesmo quando os olhos se abrem, o suave formigamento nos lábio, tão prazeroso e mesmo assim, nada;
E todas as sensações fantasiadas, todas as alegrias pela metade, tudo nada comparado ao objeto de inspiração que resultou essa confissão, tudo nada, comparado a realidade que poderia...
Uma realidade que talvez nunca tenha, nunca chegue...
Uma realidade que mesmo distante, e ainda com oração contraditória, tão bem me faz sonhar.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

VEJA que absurdo.

Ontem, estava eu em uma sala de espera, que como toda sala de espera, se encontrava recheada com diversas revistas deixadas ali para diminuir a agonia dos minutos que se arrastam antes de sermos atendidos.
Qualquer pessoa que me conheça sabe perfeitamente que existem situações bem especificas sob as quais eu me digne a abrir um exemplar da revista Veja, momentos como a necessidade de ascender uma fogueira, ou se uma arma for posta na minha cabeça. No entanto, a matéria de capa chamou a minha atenção. Tratava da legislação brasileira, e como existiam leis que eram absurdas e apenas dificultavam a vida das pessoas. Ora essa, nisso eu concordo, de fato, o aparato legislativo contém um conjunto de leis inúteis, algumas deveriam ser mudadas e outras abolidas, mas pedir para deputados e senadores fazerem o trabalho deles é exigir demais da maioria dos políticos desse país.
Eis que abro a revista e corro meus olhos pela matéria, e dou de cara com o primeiro absurdo. Não, não me refiro ao absurdo na legislação, e sim ao absurdo que vejo sempre que abro a Veja. Entre as leis citadas como inúteis e absurdas, ou que apenas dificultavam a vida do brasileiro estavam duas que mais despertaram minha revolta por se incluírem na lista. Como qualquer pessoa normal, eu jogo lixo não reciclavel fora, não o trago para casa, assim, não tenho em mãos a revista para citar o artigo das leis, mas posso falar a que se referem. A primeira foi a critica a nova gramática do português brasileiro que orienta as escolas a ensinarem aos alunos o português formal em sua maneira de escrever e falar, ressaltando, no entanto, que o português coloquial, a maneira como eles já estão acostumados a falar e se comunicar, não esta errado, uma vez que é impossível trazer a escrita para a fala e usarmos todas as regras gramáticas em nossas conversas no dia-a-dia, assim, a lei confere preconceito lingüístico determinar um padrão correto para a fala e não ater tal padrão somente à escrita.
Ok...
Num país tão grande e diversificado como o Brasil, somos atacados indo a qualquer parte, por uma avalanche de variações e sotaques em TODOS os estados brasileiros. Desde o 'tchê' do sul ao 'oxente' do nordeste, nossa maneira de falar é extremamente diversificada, conferir a uma região ou outra, a um modelo ou outro, o titulo de português falado corretamente, seria rebaixar os demais ao errado quando a função da fala, a comunicação, conseguiu ser cumprida tanto por um quanto por outro. Barbaramente, como sempre, a Veja passou aos leitores palavras como 'estão ensinando nossos filhos o português errado', para chocar as pessoas e cativar a opinião publica, e mais uma vez mostra-se seu total compromisso com a desinformação e a alienação. As escolas não ensinarão o português errado, ensinarão que existe o português formal e o coloquial, o que não quer dizer que um esteja certo e outro errado, simplesmente são duas maneiras de se usar a língua e que devemos nos utilizar delas quando a situação pedir. Não vamos usar camiseta e short para ir a um casamento, e nem vestido longo noturno para ir a praia, o principio é o mesmo. Até gostaria de repetir uma fala do meu professor de latim na universidade, Alzir, a respeito das discussões sobre essa nova gramática... Quando estamos doentes, procuramos um médico. Quando precisamos de conselhos legais, procuramos um advogado. Assim, se a questão é lingüística, então que seja dado aos lingüistas a liberdade e a credibilidade que é dado a médicos e advogados e como a eles, o respeito da não contestação de suas habilidades como grupo de estudiosos da língua.

A segunda lei que me chamou a atenção por fazer parte da lista refere-se a obrigatoriedade das escolas em ensinar no ensino médio, as disciplinas de filosofia e sociologia. Mais uma vez, mostrando-se 'preocupada' com a educação brasileira, a argumentação não apenas é pobre, mas descaradamente parcial, se fala, que no Brasil, que ainda tem tantas dificuldades com o aprendizado em ciências, matemática e leitura, não se devia gastar tempo e recursos com disciplinas que não servem para nada além de formação e ideologias de esquerda.
Até quando, Veja? Até quando?
Nesse ponto, claro, achei perfeitamente plausivel da revista (acho um insulto às revistas colocar essa em especial na categoria, mas não tendo outra palavra, usarei esse termo) Veja defender o não ensino de tais disciplinas nas escolas e apelar para o desenvolvimento das ciências exatas e técnicas, condiz perfeitamente com o real objetivo da revista que não é de informar, e sim de levar as pessoas a idolatrarem um sistema onde nós somos meras engrenagens que o mantém vivo. O aprendizado da sociologia e filosofia leva as pessoas a pensarem, o capitalismo não quer pensadores, quer trabalhadores. Uma mente não esclarecida é facilmente manipulada e subjulgada, é levada a crer que o que é ruim para ela e bom para seu opressor, é na verdade bom para todos. As chamadas 'disciplinas úteis' não levam a reflexão ou ao debate da subjetividade, apenas lhes dá o conhecimento para atender a demanda do qual o capitalismo precisa para sobreviver, não questiona. A sociologia e a filosofia leva as pessoas a questionarem, leva elas a pensar a construir e desconstruir idéias. Mais brutamente que isso, tira as pessoas da ignorancia socio-politica na qual o brasileiro se instalou no século passado. Em outras palavras, faz as pessoas pensarem, pessoas pensantes questionam, e questionariam o estilo de mundo que revistas como a Veja defendem, mais do que isso, pessoas pensantes parariam de comprar e ler a revista Veja e outras publicações tão desinformativas quanto.

A mídia brasileira já mostrou muitas vezes o seu compromisso com desinformação, manipulação e falta de ética. No período das eleições presidenciais, achei que havia chegado ao fundo do poço do ridículo com 'bolinhas de papel', 'militantes' (é até engraçado usarem essa palavra para partidos de direita. É rir para não chorar) do PSDB sendo atacados, entre outras coisas, mas a Veja mostrou que no fundo do poço, ainda é possível cavar um pouco mais.
À equipe da Veja, eu gostaria de perguntar, quando vão trocar o papel utilizado para imprimir a revista para que possamos nos utilizar dele no banheiro, já que no presente momento, nem para isso, esta coisa que chamam de revista, esta servindo.