quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Amores Imperfeitos

O dia fora frio e chuvoso… Que dia! Amava a chuva tanto quanto odiava o calor, e ansiava pela noite tanto quanto se frustrava quando ela chegava nublada… Mas ainda era fim de tarde quando saiu de casa. A chuva ainda lavava as ruas, o casaco cinzento estava encharcado antes mesmo de chegar até a esquina, mas não havia qualquer sinal de incomodo, ou menção de fazer o caminho de volta para seu sofá seco e aquecido.
Seus passos não demonstravam entusiasmo, na verdade, os passos davam preguiça de andar a qualquer um que lhe assistisse vagando pelas ruas meio alagadas. Ninguém veria, é claro, a não ser os carros que passavam vez ou outra, ninguém perambulava pela rua no meio da chuva. Viu o sol se pondo entre dois prédios enquanto avançava com seus passos, incessantes apesar de sem entusiasmo.
Talvez tivesse cruzado com algumas pessoas pelo caminho. Um homem se apressando para voltar com seu cão para casa, uma garota com um guarda-chuva em uma mão e vários livros em outra, um casal tentando se abrigar abraçados embaixo de uma única capa de chuva… Especulações, não podia ter certeza, não havia qualquer atenção no que fazia, a não ser o mínimo exigido para alcançar o seu destino final. Um passo após o outro… Meio fio… Faixa de pedestre… Desviar da árvore… Comandos simples enquanto a mente parecia procrastinar, fugindo de lembranças, ideias e pensamentos que talvez não fossem apropriados para aquele momento.
A chuva começou a parar quando seus pés tocaram a areia úmida e o som de ondas se misturaram com o som da chuva em seus ouvidos. Se sentou no chão, ignorando toda a areia que começava a grudar em sua roupa molhada. Areia lhe incomodava, sempre parecia entrar em qualquer lugar para pinicar em sua pele… Mas naquele dia em particular, não se importou. A medida que a água ia parando de cair no céu, seu corpo foi pendendo, até se encontrar com o corpo completamente estendido diante do mar. Os olhos ficaram fechados por longos minutos, enquanto todo o corpo tremia de frio, mas no lugar em que se isolara em sua mente, nem areia e nem frio podiam perturbar. Um toque delicado e macio foi sentido em seu rosto, mas igualmente frio. Os olhos se abriram sem pressa, a procura do amor que viera admirar. O castanho dos olhos derramou chocolate em seu olhar de doçura… Como se todo o incomodo que deveria sentir no caminho até ali fossem abafados por uma deliciosa dose de sentimentos positivos.
As janelas da alma estavam completamente abertas, e a alma exibia um brilho que há muito ia se apagando. Fazia aquela visita todos os dias… O peito acelerava, a adrenalina tomava conta do corpo de tal forma, que se alguém lhe observasse caminhar na ida e na volta, apenas a postura lhe confundiria. Uma injeção de corar, sorrisos bobos, suspiros e juras de amor silenciosas… E no fim, a despedida. A despedida era sempre dura, e com o tempo parecia vir mais cedo a cada dia, mais difícil a cada dia… Mais definitiva a cada dia.. Tinha conversado com o espelho, e seu eu do outro lado havia desempatado aquela questão… Podia continuar com suas visitas, enquanto julgasse inofensivas… Aquela decisão manteve sua tranquilidade, afinal não havia nada em suas visitas que não fossem inofensivas. O espelho lhe lembraria dos resfriados e pneumonia ganhos em visitas como aquelas, as lágrimas em despedidas cruéis, o coração quebrado… Mas um coração apaixonado não ouve argumentos, apenas vê obstáculos a serem superados.
Fazia pouco mais de meia hora que chegara, e bem menos de dez minutos que sentira o toque da brisa e abrira os olhos para a lua. Não que tivesse verificado o relógio, conscientemente não achava que tivesse passado mais de cinco minutos desde que chegara andando. Ela estava linda… Linda como a via todas as noites. Seus olhos castanhos brilhavam prateados enquanto o corpo todo ia sendo tomado por aquela adrenalina… O coração disparado… Mas antes que aquele calor gostoso e confortável começasse a se espalhar pelo seu corpo, o céu se nublou quase tão de repente quanto as nuvens haviam se dissipado antes. Ela se cobriu… Em um vestido de sombras cinzentas, escondendo seu brilho divino e deixando a escuridão voltar aos doces olhos castanhos, junto com a ruga de frustração, o suspiro de tristeza, e por fim o olhar baixo de conformidade.

Não soube dizer quanto tempo permaneceu imóvel no chão, apenas deixando a chuva, que já recomeçara, encher suas roupas de lama. A importância que deu para as roupas encharcadas e cheias de lama foi proporcional a que dera para a chuva ao sair de casa. O incomodo em seu peito era maior que em qualquer desconforto com roupas pelo resto de seu corpo… Seus olhos se ergueram para lua uma última vez, enquanto os pés já se preparavam para refazer o caminho de volta. O espelho estava certo… Não se podia amar a lua. Ela é bela, mas fria.

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